Por que bitcoin não é fraude, pirâmide ou bolha

Bitcoin no bolsoPoucas coisas provocam tanto interesse, fascínio e deslumbramento quanto algo novo. Uma novidade tem o poder de despertar atração, mas também pode despertar nossos instintos básicos de sobrevivência, medo e desconfiança. Ainda mais quando nos deparamos com um gráfico como o representado abaixo, no qual se pode perceber muita variabilidade e ausência de linearidade. Poucas coisas deixam o ser humano tão desconfortável quanto algo assim. O gráfico abaixo mostra o preço do bitcoin no período dos últimos cinco anos. Esse comportamento da série temporal tem suscitado acusações de que o projeto Bitcoin é fraude, pirâmide ou bolha. Vamos endereçar as acusações uma por uma.

Para que caracterizar uma fraude é necessário que haja um fraudador, aquele que vai tirar vantagem a partir de uma ação de má-fé feita para enganar outras pessoas. O Bitcoin começou a partir do lançamento de um artigo que sugeria uma solução para problemas encontrados em tentativas anteriores de criar uma moeda digital (veja o artigo). Depois disso, o autor do artigo lançou o software básico de mineração para que, quem tivesse interesse, pudesse fazer parte da rede. Essa rede é descentralizada e qualquer mudança no código do software acontece após uma espécie de votação entre os mineradores. No que esse processo se assemelha a uma fraude? Talvez essa seja a acusação mais sem sentido que é feita ao Bitcoin.

Gráfico bitcoin série histórica

O Bitcoin foi acusado de pirâmide porque o ganho dos usuários iniciais se deu devido a entrada de novos usuários da moeda. O esquema Ponzi (pirâmide) é um tipo especial de operação fraudulenta em que os ganhos prometidos pelo criador são pagos a partir dos novos entrantes. Em algum momento, não há mais novos entrantes suficientes para sustentar os ganhos prometidos e o esquema quebra, deixando prejuízos para os retardatários. Isso aconteceu com uma moeda digital falsa chamada Kriptacoin, que a empresa por trás do esquema oferecia rendimentos de 1% ao dia (veja mais detalhes sobre o caso). Nada disso aconteceu com o Bitcoin, não há nenhuma empresa prometendo algo e o lucros dos primeiros usuários foi devido ao aumento do preço da moeda, devido ao aumento de demanda pela moeda (novos usuários) em um ambiente em que a emissão dela é escassa (emissão máxima de 21 milhões). Pela lei de oferta de procura, qualquer bem cuja a demanda aumenta, o preço também aumenta. Se o Bitcoin é uma pirâmide por causa disso, qualquer bem ou produto desse mundo é uma pirâmide.

Talvez a acusação que mereça um pouco mais de cuidado na análise seja a de que Bitcoin é uma bolha financeira. Mas, primeiro, vamos fazer uma correção. Um ativo financeiro não pode ser uma bolha, ele pode passar por uma. Nenhum bem, produto ou serviço é uma bolha, porque uma bolha é um processo. Duas bolhas muito conhecidas são a bolha das tulipas, na Holanda, no século XVII, e a recente bolha imobiliária do mercado americano, que estourou em 2008. Casas e tulipas não são bolhas, mas podem passar por uma. Assim, podemos prosseguir.

Diferentemente dos imóveis, que têm um mercado consolidado, com movimentos de alta e baixa mais previsíveis, as criptomoedas são um mercado novo, em processo de adoção e de descoberta do potencial existente. É difícil dizer se o movimento recente identifica uma bolha ou não, até porque ele já se repetiu várias vezes dentro da série histórica do bitcoin, como se a série fosse um fractal, em que a forma macro se repete na escala micro. No gráfico acima, pode-se perceber que houve uma forte alta seguida de uma forte queda entre setembro de 2013 e março de 2014, porém, esse movimento já se “escondeu” no gráfico diante da variação de preço recente. Se movimentos como esse podem ser considerados bolhas, o bitcoin já passou por algumas e sobreviveu.

Há uma percepção de que o bitcoin não só está passando por uma bolha, como o seu preço vai a zero depois que a bolha estourar. Como se fosse algo automático, a bolha estoura e o ativo negociado passa a não valer mais nada (mais um jump to conclusions, veja o artigo Comparando dados de renda e riqueza). Dificilmente o preço de um ativo vai a zero após o estouro de uma bolha. Como citado acima, tulipas e imóveis já passaram por bolhas e continuam sendo ativos valiosos.

Após uma bolha, o preço de um bem vai a zero quando ele se mostra sem utilidade. Pode-se perceber isso claramente na bolha da internet, que elevou o preço de qualquer empresa negociada em bolsa que estivesse envolvida com a internet no final da década de 1990 a níveis surreais e estourou em 2001. Muitas empresas que não faziam sentido e que se mostraram com negócios sem utilidade simplesmente sumiram, já empresas como Amazon e Google resistiram e mostraram que eram ainda mais valiosas do que pareciam no auge da bolha. Ainda que o bitcoin passe por uma bolha, isso não significa que o seu preço irá a zero. Afinal, o projeto já mostrou que tem utilidade. Já é aceito como meio de pagamento por algumas empresas conhecidas, como a Dell e a Microsoft. Mas outras moedas, com projetos pouco consistentes, que surgiram na onda do Bitcoin provavelmente vão sumir ou se tornar pouco relevantes. Atualmente, há mais de 1500 criptomoedas, segundo o site Coinmarketcap; porém, as cinco mais valiosas têm 72% do valor em dólares de todas as moedas digitais.

Ainda que não dominem o sistema financeiro como um todo, as criptomoedas têm uma demanda mínima, formada pelas pessoas com tendências libertárias que veem utilidade em ter uma moeda que não é controlada por um governo e que não está sujeita à loucura dos políticos. Mais um motivo pelo qual podemos acreditar que as criptomoedas continuarão sendo valiosas no futuro.

Alguns acham que o valor do bitcoin já é zero atualmente por causa da sua existência unicamente digital ou porque, sob o ponto de vista de investimentos, a criptomoeda não gera rendimentos e, assim, não teria valor intrínseco. A maior parte do dinheiro existente no mundo já é digital, sendo apenas um número ligado a uma conta corrente no sistema bancário. Ouro, prata e outras commodities também não geram rendimentos, mas continuam sendo valiosos. Mas, no final, nada disso importa.

Conforme a teoria de valor do Carl Menger, que pode ser observada resumidamente no livro “O legado da Escola Austríaca”, de Rodrigo Constantino, os preços são formados pela percepção subjetiva e circunstancial dos indivíduos, ou seja, as coisas não têm um valor intrínseco. Se alguém tenta te vender uma garrafa de água, provavelmente você não estaria disposto a pagar um centavo sequer caso você estivesse na porta da sua casa, mas, talvez pagaria uns cinco reais se estivesse andando na rua com sede ou até mil reais se estivesse caminhando em um deserto. Nenhum desses valores é o valor intrínseco da água. A água não tem valor intrínseco, nada tem valor intrínseco. Assim, não importa se uma criptomoeda não tem existência física ou não gera rendimentos. Se as pessoas percebem valor nela e estão dispostas a pagar, o valor dela não é zero. Simples assim.

Outro ponto importante para se atentar é o conflito de interesses que há nas declarações de personalidades públicas, pois o bitcoin e outras moedas digitais são uma ameaça ao sistema bancário tradicional. É natural que pessoas públicas ligadas a esse sistema critiquem e tracem cenários apocalíticos para as moedas digitais, estão defendendo o seu quinhão. Entre os críticos recentes estão o Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central do Brasil, Jamie Dimon, presidente do JP Morgan, e o Warren Buffett, maior investidor de todos os tempos e grande acionista dos bancos Wells Fargo, Bank of America, M&T Bank e US Bancorp, além da agência de classificação de risco Moody’s e da bandeira de cartões American Express. Todos eles acusaram que o Bitcoin é fraude, pirâmide ou bolha e que tudo iria acabar mal. Interessante que o próprio banco JP Morgan começou a negociar com bitcoins pouco tempo depois e o seu CEO se disse “arrependido” do que tinha dito. Talvez as críticas sejam só uma forma ganhar tempo e conseguir tirar vantagem antes de uma maior popularização das criptos.

Isso já foi feito no passado. John D. Rockefeller, o homem mais rico da História Moderna, chegou a fazer propaganda sobre os perigos da energia elétrica, que ameaçava o seu negócio de querosene para iluminação, assim como houve muita gente alardeando o perigo dos carros motorizados (bom mesmo eram as charretes!).

Obviamente, como em qualquer mercado (novo ou antigo), há muita oportunidade para charlatões aplicarem golpes. Entre os golpes mais comuns estão: o hackeamento de corretoras de criptomoedas (ou falso hackeamento forjado pelos donos de corretoras não sérias), por isso, é bom manter a maior parte das suas reservas em uma carteira digital que só você tenha acesso (existem várias soluções para isso); páginas falsas que tentam induzir você a digitar sua senha de acesso (isso também acontece com senhas de banco); projetos que não são criptomoedas de verdade e que escondem pirâmides e outros tipos de fraudes por trás (como o exemplo citado acima, Kriptacoin). Você vai precisar ter cuidado ao lidar com criptomoedas, assim como você precisa ter cuidado ao lidar com o dinheiro tradicional. Afinal, uma criptomoeda também é dinheiro.

Particularmente, acredito que as criptomoedas têm um potencial ainda pouco explorado e um horizonte de crescimento incrível. Vamos ver o que o futuro reserva para essa tecnologia.

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